quarta-feira, 26 de maio de 2010

Lucidez na ficção; loucura na realidade (por Luis José Bassoli, publicado anteriormente no Nosso Jornal, de Taquaritinga-SP)

Ninguém é maluco a ponto de pensar que o Brasil resolveu todos seus problemas e alcançou, definitivamente, o patamar de “desenvolvimento”. Ainda há muito a fazer para nos igualarmos às nações do “primeiro mundo”, cujo grupo é restrito a EUA, Canadá, Europa ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia (quiçá entram na lista Coréia do Sul e Cingapura) – muito pouco se considerarmos os 192 países que compõem a ONU.
De outro modo, há, sim, malucos que não enxergam nenhum avanço no processo civilizatório brasileiro. Explico com um exemplo: assisti na Rede Globo à notícia sobre o recorde de viagens aéreas nacionais, resultado da inclusão de parte das classes menos favorecidas a esse mercado, antes ocupado só pelos mais ricos. É fato que grande parte da população melhorou de vida, está viajando de avião, falando ao celular, navegando na internet, financiando a casa própria com o dinheiro que se perdia no aluguel, ingressando na universidade.
Após a mencionada notícia, seguiu-se o comentário de Arnaldo Jabor. Confesso que estou decepcionado com o ex-cineasta, talentoso membro da “jovem guarda” do Cinema Novo, que, há algum tempo, vem radicalizando seu comportamento político, o que acabou por afetar seu senso crítico – está cego às mudanças que estão em curso no Brasil.
Jabor beirou à maluquice ao expor sua raivosa contrariedade ao governo Lula, fez uma manobra absurda para tentar transformar uma boa notícia (a inserção da “nova classe C” aos céus brasileiros) em um evento danoso, superestimou os atrasos nos voos e exagerou ao equiparar as esperas nos aeroportos a verdadeiras “torturas”. Pior, ressuscitou a superada – e até mesmo “folclórica” – tese da supremacia absoluta do mercado para resolver todos os problemas ao cobrar a privatização não só dos aeroportos como de todo sistema governamental, uma defesa extemporânea do “Estado-mínimo”. Chegou ao cúmulo de comparar Dilma Rousseff a Fidel Castro e Hugo Chávez e citou até Lênin!
Quando se reportou aos dados, por inevitável, teve que aceitar que houve avanços, mas tentou creditar o feito exclusivamente ao Plano Real. Será que pirou, o Arnaldo Jabor? Só pode ter enlouquecido para não enxergar nenhuma participação do atual governo no desenvolvimento nacional! O Plano Real, todos concordam, foi imprescindível, mas de forma alguma pode ser considerado o único responsável pelos avanços de hoje, aliás, o próprio FHC quase pôs tudo a perder em seu segundo mandato, que começou com a vergonhosa emenda da reeleição e terminou, melancolicamente, com a economia em frangalhos – e de joelhos ao FMI.
Não há nada de Fidel, Chávez ou Lênin no projeto lulista – a não ser o sonho de se construir uma sociedade mais justa. Analistas sugerem que o modelo se assemelha ao proposto pelo economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946): capitalismo liberal, com intervenção estatal, quando necessário, para proteger os mais pobres e regular os mais ricos. O comentarista da Rede Globo ignorou que foram o Estado brasileiro e as populações mais carentes que protegeram o País da crise mundial de 2008, gerada exatamente pelo sistema que insiste em defender.
Cheguei, pois, à seguinte conclusão sobre Arnaldo Jabor: ao passar de trás para frente das câmeras, o Brasil perdeu um lúcido cineasta e ganhou um sofrível – e amalucado – comentarista.

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