terça-feira, 22 de junho de 2010
A megera domada
Que vergonha! Que vergonha! Desarma essa fronte ameaçadora e feroz e não lancem teus olhos esses olhares desdenhosos, como se quisesses atravessar teu senhor, teu rei e teu governante. Isso empana a tua formosura, como as geadas cortam as campinas; destrói tua reputação, como os furacões agitam os lindos botões e não é prudente nem amável. Uma mulher irritada é como uma fonte agitada, turva, desagradável e sem encanto. E enquanto assim permanecer ninguém haverá, por mais sedento ou alterado que esteja, que se digne acercar dela seus lábios ou beber uma só gota.
Teu marido é teu senhor, tua vida, teu guardião, tua cabeça, teu soberano; é quem cuida de ti, quem se ocupa de teu bem-estar. É ele quem submete seu corpo aos trabalhos rudes, tanto na terra como no mar. De noite, vela no meio da tempestade; de dia, no meio do frio, enquanto tu dormes calidamente em casa, segura e salva. Só implora de ti o tributo do amor, da doce e fiel obediência: paga bem pequena para tão grande dívida.
A mulher tem as mesmas obrigações em relação ao marido do que um súdito em relação ao príncipe. E mostrando-se indomável, mal-humorada, intratável, desaforada e desobediente às suas legítimas ordens, não passa de uma rebelde, uma vil litigante, culpada do delito de traição para com seu senhor bem-amado. Causa-me vergonha ver as mulheres declararem, ingênuas, a guerra, quando deveriam implorar a paz; pretenderem o mando, a supremacia e o domínio estando destinadas a servir, amar e obedecer.
Por que nossos corpos são tão delicados, frágeis e tenros, impróprios para as fadigas e agitações do mundo, a não ser porque a qualidade gentil de nosso espírito, de nossos corações, deve achar-se em harmonia com nosso exterior? Vamos, vamos, vermes impotentes e indóceis! Eu também tive um gênio tão difícil como os vossos, um coração tão altaneiro e, talvez, maiores motivos para opor uma palavra a outra palavra e mau humor por mau humor.
Mas agora compreendo que nossas lanças não passam de frágeis caniços; nossa força, fraqueza, uma enorme fraqueza que, aparentando que somos os mais, provamos que somos os menos. Não vos mostreis, pois, orgulhosas, que de nada serviria e ponde vossas mãos aos pés de vossos esposos em sinal de obediência. Se o meu mandar, minha mão está pronta, se isso causar-lhe prazer.
A Megera Domada, de William Shakespeare
Discurso de Catarina (a megera) que depois de “convertida a boa esposa” a pedido de Pretruchio, seu marido, lembra a sua irmã e a uma viúva, ambas “rebeldes”, os seus deveres de mulher. (Cena II, Ato V)
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