sábado, 19 de junho de 2010

Um supermercado na Califórnia



Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman,enquanto caminhava pelas ruas sob as arvores, com dor de cabeça, autoconsciente, olhando a lua cheia.

No meu cansaço faminto, fazendo o Shopping das imagens, entrei no supermercado das frutas de néon sonhando com tuas enumerações!

Que pêssegos e que penumbras ! Famílias inteiras fazendo suas compras a noite ! Corredores cheios de maridos ! Esposas entre os abacates, bebês nos tomates ! - e você, Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias ?

Eu o vi WW, s/ filhos, velho vagabundo solitário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando olhares para os garotos da mercearia.

Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles; Quem matou as costeletas de porco? Qual o preço das bananas ? Será você meu Anjo ?

Caminhei entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja. Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.

Aonde vamos, WW ? As portas fecharão em uma hora. Para quais caminhos aponta tua barba esta noite ?

Toco teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado e sinto-me absurdo.)

Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores somam sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas, ficaremos ambos sós.

Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor,passando pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando para nosso silencioso chalé ?

Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário professor de coragem, qual América era a sua quando Caronte parou de impelir sua balsa e Você na margem nevoenta, olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes?

Allen Ginsberg, in Uivo, L&PM.1984, Tradução de Cláudio Willer

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