terça-feira, 20 de julho de 2010

Erro médico

NILZA BELLINI

Em dezembro de 2003 publiquei, na revista Problemas Brasileiros, uma extensa matéria sobre erros médicos. Meu irmão é médico, tenho vários amigos médicos, e cuidei para não cometer equívocos porque o tema, se mal tratado, pode prejudicar tanto profissionais sérios e idôneos como seus pacientes. Sete anos depois a vítima de um erro médico fui eu.
Atendida por uma profissional de uma clínica conceituada, ligada à Beneficência Portuguesa, recebi, com base em um exame de imagem (exatamente uma tomografia) o diagnóstico de que tinha câncer de fígado. Mais: a médica, com um nome sugestivo, Davida, disse sentir muito, mas insistiu que eu não só tinha câncer como aquele era um tumor secundário, metastásico de outra região do corpo. A consulta não durou mais de 10 minutos. Saí de lá atordoada, desnorteada, sentimento que contaminou minha família e os bons amigos.
Não é necessário dizer que minha vida virou do avesso nessas últimas duas semanas. Foram exames e mais exames, dessa vez realizados no Hospital ACCamargo, para que o macabro diagnóstico fosse desfeito. Eu soube, hoje, que não tenho a doença.
Erros médicos são punidos desde a Antiguidade. De acordo com o Código de Hamurábi, o médico que matasse alguém durante o tratamento teria suas mãos cortadas. Segundo a lei de talião, punia-se "olho por olho, dente por dente". Na Mesopotâmia, no caso da morte de um nobre, o médico era executado. Entre os muçulmanos, quando um médico fracassava ou caía em desgraça, a penalidade prevista era prisão, açoite ou morte. No Brasil, até a década de 1970, embora já existisse legislação que permitia processar um médico por erro, tal procedimento mostrava-se absolutamente ineficaz, pois o poder desses profissionais era incontestável.
A situação só começou a mudar, efetivamente, no início dos anos 90, com a aprovação do Código de Defesa do Consumidor, que traz um conjunto de normas que regem as relações legais entre médicos e pacientes, embora existam inúmeros artigos, em todos os códigos do direito, que permitem caracterizar e penalizar o erro. As pessoas passaram a tomar consciência de que a prática da medicina é uma prestação de serviço como outra qualquer.
Ainda não sei como o que a doutora Davida fez comigo pode ser classificado. Seguramente foi um erro de diagnóstico. O que ela não poderia ter feito, de forma alguma, era anunciar levianamente que eu era portadora de uma doença grave, na maioria das vezes fatal quando se trata do fígado, sem ter um diagnóstico conclusivo. Mais: é incontestável que esse destrato com o paciente é ignorante, desumano e de má fé. Talvez eu possa pedir sua punição legal. Mas por enquanto não desejo isso. Quero apenas comemorar o fato de estar saudável e desejar viver tempo suficiente para cuidar dos netos.

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