quarta-feira, 23 de setembro de 2009

MP questiona Unicamp sobre Caso Shell

A procuradora regional do Trabalho da 15ª Região Márcia Kamei López Aliaga entregou à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo uma representação solicitando investigação aprofundada sobre a ligação entre professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com empresas privadas em convênios para pesquisas e estudos. Como base de seu pedido, a procuradora menciona o caso da contaminação do solo pela Shell do Brasil, no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia, que veio à tona pela imprensa em 2001.O pedido de investigação foi encaminhado ao procurador Fernando Grella Vieira no último dia 26 de junho. A procuradora cita três profissionais da Unicamp, questionando até que ponto os seus procedimentos não deixaram de lado o interesse público que norteia a instituição estadual para priorizar objetivos privados de empresas financiadoras de estudos e projetos.O primeiro a ser mencionado é o médico Ângelo Zanaga Trapé, professor da universidade e funcionário do Ambulatório de Toxicologia da instituição. Segundo a procuradora, o médico foi nomeado em 2000 assistente técnico dentro do inquérito civil — de nº 01/95 — aberto pelo Ministério Público Estadual (MPE) sobre o Caso Shell. Um ano depois, segundo Márcia, a pedido da própria Shell, ele emitiu um parecer sobre o relatório elaborado pela Vigilância Sanitária de Paulínia que tratava do mesmo assunto. Desta vez, dando um posicionamento diferente do anterior. Em uma questão de tempo, ele atuou nos dois lados da história.“O parecer foi benéfico para a Shell”, reforça a procuradora. “Ora, causa estranhamento o fato do profissional ter atuado no inquérito civil 01/95, que cuida da contaminação ambiental, na condição de assistente técnico da Promotoria de Meio Ambiente de Paulínia e, posteriormente, emitir pareceres a favor e atendendo a pedido da empresa inquirida e em matéria correlata”, acrescenta Márcia em sua representação, lembrando que a multinacional financiou pesquisas da Unicamp.Ainda de acordo com o documento da Procuradoria Regional do Trabalho, a partir do ano de 1986 até meados de 1989, a Unicamp, junto com outras entidades, como o extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), a Prefeitura de Campinas e o governo do Estado criaram o Ambulatório de Saúde do Trabalhador, voltado para atender pessoas de Campinas e região. Nos casos de intoxicação por substâncias químicas, o trabalhador poderia ser encaminhado ao Ambulatório de Toxicologia da Unicamp. Trapé participava desse programa.Um caso usado como exemplo é o do funcionário da Shell Heitor Ananias Mariano. Segundo a representação, ele recebeu um primeiro atendimento no Ambulatório de Saúde do Trabalhador no dia 4 de junho de 1987 e a hipótese diagnosticada foi de “intoxicação profissional crônica por agrotóxicos, hipertensão arterial, chagas e/ou diabetes”. No dia 22 de março de 1988, Mariano retorna para mais uma consulta, desta vez, com o médico Trapé. Ele lança no prontuário do paciente a seguinte informação: “O quadro clínico presente é bastante característico de exposição crônica a agrotóxicos organofosforados e organoclorados”. Já no dia 17 de dezembro de 2003, o mesmo Trapé emite um laudo sobre o estado de saúde de Mariano afirmando que: “o Sr. Heitor Ananias Mariano não apresenta quadro clínico compatível com intoxicação crônica por agrotóxicos”. Essas informações constam na representação.O professor Wilson de Figueiredo Jardim, vinculado ao Instituto de Química (IQ) da Unicamp, também é citado na representação. Ele teria feito parte de convênios entre a instituição e a Shell, firmados em outubro de 1996 e outubro de 1999. Outro nome citado é o de Flávio Ailton Duque Zambrone, que foi professor da Unicamp, na área de Saúde Ambiental, até 2007. “A população precisa saber quem financia as pesquisas das instituições públicas. Quem lê, quer saber quem financiou. Divulgar essa informação é um serviço importante, que nos possibilita analisar os dados passados de uma forma mais clara, sabendo que existe um interesse envolvido. Os pesquisadores passam de um lado para o outro e nós (sociedade) nunca somos avisados”, diz a procuradora Márcia.A Unicamp informou que recebeu no último dia 10 de agosto um ofício do Ministério Público Estadual solicitando informações — que deveriam ser apresentadas até o último dia 9 de setembro — sobre os apontamentos apresentados pela Procuradoria do Trabalho a respeito dos convênios formalizados com a empresa Shell. A instituição já se manifestou dentro do prazo estipulado e informações adicionais serão fornecidas sempre que solicitadas.

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