Um juiz, uma promotora e uma delegada federal se unem para combater um criminoso poderoso, protegido por pessoas com grande influência polí tica e econômica, e que sempre consegue escapar das garras da Justiça.
Em sí ntese, essa é a trama da série Na Forma da Lei, que estreou nesta terça-feira (15/6) pela Rede Globo. O programa vem na esteira de grandes operações da Polícia Federal, como a Caixa de Pandora, que derrubou o governador José Roberto Arruda, e a Satiagraha, que teve como alvo principal o banqueiro Daniel Dantas. Criticadas no meio jurídico por supostas irregularidades e excessos, essas ações têm encontrado eco na população como marcos no combate à corrupção e à impunidade.
A série parte, portanto, de uma premissa promissora, mas em seu primeiro episódio os autores se perderam ao ignorar alguns princípios éticos e legais e mesmo regras de conduta não escritas, mas sedimentadas no dia-a-dia dos agentes policiais e judiciários.
Amigos da época de faculdade, os três personagens principais da série presenciaram o assassinato do noivo da promotora Ana Beatriz (interpretada por Ana Paula Arósio). Cinco anos depois, o autor do crime está livre. Filho de um influente senador, o playboy Maurí cio Viegas (vivido por Márcio Garcia) conseguiu ser absolvido e continua a praticar barbaridades sob a proteção do pai.
Dessa vez, Viegas manda matar uma amante que lhe causava problemas. O juiz (Leonardo Machado), a promotora e a delegada (Luana Piovani) decidem então fazer Justiça pelo primeiro crime e ganham a ajuda de um advogado (Henri Castelli) e um jornalista investigativo (Samuel de Assis). Está formada a equipe que, na prática, vai atuar não com a lógica da Justiça, mas com a dos justiceiros — paradoxalmente, eles têm de agir, como o nome da série diz, "na forma da lei".
E as fragilidades do roteiro ficam expostas exatamente aí. Como todos foram testemunhas do primeiro crime e tem relação pessoal com o acusado, não podem atuar na nova investigação ou no processo contra ele. É o chamado impedimento, que no direito visa preservar a imparcialidade da Justiça e garantir que seus agentes atuem de forma impessoal, livres de motivações particulares.
A atuação em conjunto de agentes que devem ser independentes entre si já causa polêmica. Na época da operação Satiagraha, por exemplo, o então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, criticou a suposta ação coordenada entre os envolvidos na investigação.
Por esse ponto de vista, a situação mostrada em Na Forma da Lei vai muito mais longe.
Na série, surgem situações completamente inverossímeis ou, no mínimo, inusitadas, como a cena em que o juiz (que não pode julgar) e o jornalista vão à cena do crime e "interrogam" um morador de rua que testemunhou a execução da amante de Viegas.
Para surpresa do espectador, o mendigo anotou a placa do carro do pistoleiro. O jornalista grava a "entrevista" e, em vez de publicar a matéria no jornal, leva a fita para o delegado de polícia — corrupto, ligado ao senador —, que a contragosto se vê obrigado a prender o "peixe pequeno".
Em outra sequência de difícil assimilação, a delegada federal lidera uma operação de busca e apreensão da PF. Ao invés de apresentar o mandado judicial, Luana Piovani aponta a arma contra a nuca do porteiro e manda ele abrir o portão, porque só quer "peixe grande". A policial, aliás, já havia sacado uma pistola dentro de uma boate para conter uma discussão que já tinha terminado.
A série ainda promete abordar outros delitos que são sinônimo de impunidade no imaginário popular: os chamados crimes do colarinho branco. No próximo capí tulo, a delegada vai desbaratar um grupo acusado de delitos financeiros.
Entretanto, tirando pela chamada do episódio exibida ontem, não se deve esperar uma abordagem realista desse universo. No teaser, a personagem de Luana Piovani encontra, na casa de um suspeito, maços de notas supostamente fruto de lavagem de dinheiro. Ela cheira as cédulas e comenta como estão "limpas", como se fossem recém saídas do banco.
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